Projeto de Lei de Ações Contraterroristas – Risco aos Direitos Fundamentais
No último dia 16 foi aprovado por uma comissão especial da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.595/19, intitulado de “Ações Contraterroristas”.
A aprovação do Projeto, que agora segue para votação pelo plenário, traz riscos sérios a diversos direitos fundamentais, na medida em que se vale de conceitos amplos como uma forma de possibilitar o uso da lei como instrumento político de combate à oposição e silenciamento.
Um dos pontos mais sensíveis do Projeto de Lei consiste na seguinte previsão:
Art. 1º
§2º Esta Lei será aplicada também para prevenir e reprimir a execução de ato que, embora não tipificado como crime de terrorismo: a) seja perigoso para a vida humana ou potencialmente destrutivo em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave; e b) aparente ter a intenção de intimidar ou coagir a população civil ou de afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidação, coerção, destruição em massa, assassinatos, sequestros ou qualquer outra forma de violência.
Explicamos os motivos.
Primeiro, já existem no Brasil leis que tratam de terrorismo, definindo em detalhes quais atos são considerados terroristas e, portanto, são caracterizados como crimes desta natureza, bem como as penas, os procedimentos específicos de investigação, produção de provas, processamento e julgamento destes casos.
O Projeto de Lei em questão visa ampliar as condutas que serão consideradas como atos terroristas, mesmo que não estejam previstas nas leis já existentes como tal.
Até aí, apesar de muito questionável a técnica legislativa adotada, a simples ampliação do rol de condutas caracterizadas como atos terroristas não seria uma grande surpresa. Isso porque a legislação, na medida do possível, deve se adaptar a novos contextos e situações, como é o caso do terrorismo cibernético que há poucos anos era uma realidade impensável.
O problema do PL 1.595/19 está na descrição das condutas que, mesmo que não sejam caracterizadas como crimes, serão “prevenidas e reprimidas”.
Da leitura crítica do dispositivo é possível verificar que os conceitos ali empregados são amplos e indefinidos, conferindo uma amplitude de interpretação que faz com que as mais diversas manifestações sejam tomadas como atos terroristas, justificando a “repressão” com base na lei.
Um protesto contra o aumento dos preços dos combustíveis ou uma manifestação a favor da vacinação, por exemplo, poderiam ser interpretadas como atos “com aparente intenção de afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidação” e, assim, serem justificadamente reprimidas como se fossem atos terroristas.
Qualquer manifestação de oposição política poderia ser igualmente reprimida, com respaldo da lei que se pretende aprovar.
A partir disso, os agentes repressores poderiam interpretar livremente se uma mesma conduta seria considerada exercício da liberdade de expressão e associação, ou um ato terrorista. É óbvio que essa possibilidade tornaria a lei um instrumento político, a ser usada de forma arbitrária contra qualquer ato que não seja visto com bons olhos pelos agentes de repressão e seus respectivos mandantes.
Nesse ponto, um outro elemento do Projeto de Lei merece menção. Toda a estrutura do sistema de aplicação das “ações contraterroristas” concentra poderes no Presidente da República, o que reforça de maneira evidente a possibilidade de uso político da lei. Demonstração clara da concentração de poderes é o art. 16 do Projeto, que prevê:
Art. 16. A execução da Política Nacional Contraterrorista (PNC), fixada pelo Presidente da República, será levada a efeito pela Autoridade Nacional Contraterrorista, sob a supervisão de órgão a ser definido pelo Poder Executivo Federal.
O PL chega, inclusive, a definir como crime a recusa de qualquer militar ou civil integrante de alguma unidade do sistema de obedecer ordem do comandante designado pelo Presidente da República, punido com reclusão de dois a quatro anos.
Por fim, a decretação do sigilo das ações e estratégias como princípio regente do sistema contraterrorista traz um risco ainda maior de que a lei seja deturpada e usada de forma abusiva pelos agentes componentes do sistema.
Partindo dessas breves considerações alerta-se para a ameaça iminente a uma série de direitos fundamentais caso o Projeto de Lei seja aprovado, e a possível – ainda maior – repressão a movimentos sociais, manifestações políticas e organizações civis.
Enquanto ainda é possível, é um dever de cada um de nós exercer nossos direitos civis e políticos para impedir que propostas como esta tenham sucesso.
Muito instrutivo para nos.