Pobreza Menstrual – Os vetos de Bolsonaro impactam a quem?
O Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, sendo transformado em uma Lei Ordinária em outubro deste ano.
Para surpresa e revolta de muitos – apesar de que a surpresa não foi assim tão grande – o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, vetou previsões de extrema importância da referida lei.
Para entendermos melhor o assunto, destacamos algumas questões.
- O que é o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual?
- O que foi vetado pelo Presidente e qual a justificativa?
- Qual o impacto destes vetos?
- Se o Programa já havia se tornado uma lei, por que o Presidente pôde vetar estes trechos? Os vetos podem ser revertidos?
O que é o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual?
O Programa é uma iniciativa que tem o objetivo de criar instrumentos para combater a chamada pobreza menstrual, considerando que no Brasil milhões de mulheres não têm acesso a itens de higiene indispensáveis no período menstrual, como absorventes ou mesmo chuveiros em suas casas.
Para muitos este dado pode parecer absurdo, mas o acesso ao saneamento básico está longe de ser universal no país e a aquisição de absorventes é também inacessível a muitas mulheres jovens e adultas.
A pobreza menstrual tem impactos na evasão escolar, no ingresso e manutenção de mulheres no mercado de trabalho, sendo ainda uma questão de saúde pública na medida em que aquelas que não têm acesso a itens básicos de higiene normalmente recorrem a alternativas que colocam sua saúde em risco, como o uso de miolos de pão, papeis ou tecidos não higienizados, etc.
Partindo desta constatação, o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual tem o intuito de oferecer estes itens básicos e fundamentais de forma gratuita a jovens e adultas que não têm acesso, como uma forma de mitigar a pobreza menstrual. Trata-se, portanto, de um instrumento de garantia à dignidade e à saúde pública.
O que foi vetado pelo Presidente e qual a justificativa?
De forma resumida, foram vetados pelo Sr. Jair Bolsonaro os dispositivos que previam que o Poder Público disponibilizaria absorventes higiênicos de forma gratuita e outros cuidados básicos de saúde menstrual a estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública, mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema, em situação de encarceramento e internadas para cumprimento de medidas socioeducativas.
Também foi vetada a inclusão de absorventes higiênicos nas cestas básicas distribuídas pelo SISAN.
Vejamos os artigos vetados:
Art. 1º: Afirma que o Programa irá assegurar o oferecimento gratuito de absorventes higiênicos e outros cuidados básicos de saúde menstrual.
Art. 3º: Este artigo descreve, especialmente, quem são as mulheres que receberiam os absorventes e itens de higiene de forma gratuita, sendo elas as estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública, mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema, presas e internadas para cumprimento de medidas socioeducativas.
Art. 5º: Obriga o Poder Público a oferecer os absorventes e os demais itens de higiene às mulheres que estiverem naquelas situações descritas na própria lei, com preferência para aqueles feitos com materiais sustentáveis.
Art. 6º: Determina que as despesas com a implementação do Programa fossem pagas com recursos federais direcionados para o SUS;
Art. 7º: Determinava que as cestas básicas entregues pelo sistema SISAN passassem a conter absorventes higiênicos.
Necessário mencionar que a lei previa que os custos com a distribuição dos itens de higiene seriam suportados pelo Fundo Penitenciário Nacional, no caso de mulheres apreendidas e presas, e pelo SUS nos demais casos.
Com todos estes vetos, a lei passou a prever apenas que foi criado o Programa e quais seus objetivos, conferindo ao Poder Público tão somente a obrigação de promover campanha informativa sobre saúde menstrual e suas consequências para a mulher. (!!!)
A justificativa apresentada pelo Presidente foi a de que os artigos vetados seriam contrários ao interesse público, pois a proposta:
É incompatível com a autonomia das redes de ensino;
Não indica a fonte de custeio ou medida compensatória (ou seja, não esclarece de onde viriam os recursos para pagar as despesas);
Absorventes não se encontram entre os insumos padronizados pelo SUS;
Por indicar pessoas específicas que teriam direito aos itens gratuitos, a iniciativa fere os princípios da universalidade, integralidade e equidade do SUS;
Quanto às cestas básicas, seria incluída uma questão de saúde pública em uma lei que trata de segurança alimentar e nutricional.
Deixaremos que cada um dos leitores tire suas próprias conclusões a respeito destas justificativas.
Qual o impacto destes vetos?
Para termos uma dimensão da extensão da pobreza menstrual no Brasil e, consequentemente, do impacto real destes vetos, relacionamos dados levantados pela UNICEF, pela SEMPRE LIVRE e pela Always.
- A estimativa do Programa é de atingir aproximadamente 5,6 milhões de mulheres.
- 28% das mulheres de baixa renda são afetadas diretamente pela pobreza menstrual.
- Entre as mulheres afetadas pela pobreza menstrual foram constatados casos de infecção urinária, cistite, candidíase, infecções vaginais por fungos e bactérias. O uso inadequado de materiais na menstruação pode chegar até mesmo a causar lesões nos órgãos reprodutores femininos.
- 713 mil meninas não têm acesso a banheiros em seus domicílios.
- Quase 90% das meninas passarão de 3 a 7 anos de sua vida escolar menstruando.
- Uma em cada quatro mulheres já faltou a aula por não poder comprar absorventes.
- 4 milhões de meninas no Brasil não têm acesso a itens mínimos de higiene em suas escolas para cuidar de sua menstruação (banheiros em condições de uso, papel higiênico, pias e sabão).
Ao excluir da lei a obrigação do Poder Público de fornecer absorventes e itens básicos de higiene menstrual os vetos presidenciais impactam milhões de mulheres, que podem ser mantidas em situação de pobreza menstrual.
Essa atitude simplesmente despreza a situação de precariedade de todas essas pessoas que não têm acesso a itens fundamentais para preservação de sua saúde e dignidade, o que, como visto, impacta em diversos outros fatores sociais e econômicos.
Se o Programa já havia se tornado uma lei, por que o Presidente pôde vetar estes trechos? Os vetos podem ser revertidos?
A boa notícia é que estes vetos podem ser revertidos, de forma que a lei passe a surtir efeitos na forma como foi aprovada pelo Congresso.
Os projetos de lei passam por diversas etapas para serem aprovados e para que se tornem efetivamente uma lei, uma norma obrigatória.
No caso da lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual duas etapas já foram concluídas, que são a aprovação pela Câmara e pelo Senado Federal.
A terceira etapa consiste, justamente, na manifestação do Presidente da República. Neste caso, o Presidente vetou parte da lei que havia sido aprovada.
Ocorre que os vetos não são definitivos e devem ser analisados pela Câmara e pelo Senado, que podem concordar com o posicionamento do Presidente e mantê-los ou então discordar e derrubá-los.
É o que vai acontecer agora. Os vetos do Presidente Bolsonaro serão analisados pelos Deputados e Senadores no prazo de 30 dias e podem ser confirmados ou rejeitados.
A esperança é a de que o Congresso mantenha seu alinhamento quanto ao que já havia sido aprovado e derrube os vetos, garantindo assim a efetiva promoção das medidas de combate à pobreza menstrual e não apenas a criação de um Programa sem iniciativas concretas, que obriga o Poder Público apenas a criar campanhas educativas.
Caso o Senado e a Câmara rejeitem os vetos, o Presidente não pode discordar novamente e tem o dever de promulgar a lei na forma como foi aprovada.
De nossa parte, cumpre cobrar dos parlamentares eleitos o posicionamento que esperamos e acompanhar de perto a deliberação para averiguar sua postura a respeito deste tema. Mantenhamos isso em mente no momento de escolhermos nossos candidatos nas próximas eleições.
Conheça as pesquisas sobre pobreza menstrual mencionadas neste texto e as iniciativas promovidas pelas marcas:
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